Diz uma antiga lenda grega que a deusa Hera enviou a Esfinge – uma besta com cabeça de mulher, asas e corpo de animal – para atormentar os moradores da cidade de Tebas. A Esfinge cruzava o caminho de todos que se aproximavam da cidade e formulava um enigma para o viajante. Quem errava o enigma era devorado pelo monstro. A inflação brasileira sempre foi uma espécie de Esfinge. Aqueles que não a decifraram, foram devorados. Desde 1981, o Brasil teve seis moedas diferentes e 16 ministros da Fazenda. Durante a década de 80, a inflação acumulada no País foi de 36.850.000%. Felizmente, o Plano Real, implantado em 1o de julho de 1994, conseguiu decifrar parcialmente esse enigma. A Esfinge – inflação – porém, continua à espreita, tentando fazer novas vítimas. Mas o que de fato é a inflação e por que ela acontece? Inflação é algo inerente a qualquer economia. Conceitualmente, caracteriza-se pelo aumento continuado e generalizado dos preços de bens e serviços. Como resultado, observa-se uma diminuição do poder aquisitivo de uma moeda. A deflação, por sua vez, é uma condição macroeconômica caracterizada por uma redução generalizada nos preços de produtos e serviços. Para muitos economistas, a deflação é mais grave do que a inflação, porque é mais difícil de ser controlada. Assim, parece ser consenso entre os especialistas que um pouco de inflação pode ser algo bom. Os mais conservadores apontam, inclusive, que um patamar de 2% ao ano não seria prejudicial para o crescimento. Essa parece ser a razão que orienta a maioria dos bancos centrais que utiliza o regime de metas de inflação a adotar valores próximos desse patamar. Contrariamente, esses mesmos especialistas ponderam que um nível inflacionário da ordem de 10% ao ano seria prejudicial para economia. O problema reside na ancoragem das expectativas do mercado, que orienta o processo de formação de preços da economia. Nesse contexto, de acordo com o pensamento popular, em resposta a uma elevada taxa de inflação, os consumidores vão acelerar suas despesas com bens e serviços no presente, impulsionando o crescimento econômico. Em contrapartida, quando as pessoas esperam uma queda futura nos preços, tornam-se menos dispostas a consumir no presente, na esperança de que os preços diminuam ainda mais no futuro. Observa-se, assim, um excesso de oferta, pressionando ainda mais os preços para baixo. É evidente, portanto, que há um problema com as definições populares de inflação e deflação. O dinheiro é um meio de troca, empregado na intermediação da aquisição de produtos e serviços, permitindo trocar o que se tem, por algo que se deseja ter. É considerado, ainda, uma reserva de valor, utilizado para acumulação de poder aquisitivo com vistas a um consumo futuro. Apesar de ser o ativo mais líquido de uma economia, é uma reserva de valor imperfeita. Quando os preços sobem, o valor da moeda cai. Para muitos economistas, o problema central da inflação não é o aumento dos preços, mas o dano que provoca sobre o processo de formação de riqueza. Em tese, é a oferta maior de moeda que desencadeia o aumento de preços. Para uma quantidade constante de dinheiro e uma quantidade crescente de produtos, a tendência dos preços é de queda. Coeteris Paribus – mantidas constantes as demais variáveis -, os preços também cairão quando a taxa de aumento na oferta de bens excede a taxa de aumento da oferta de moeda. Todavia, há situações em que o dinheiro é “criado” a partir do nada, por meio de débitos e empréstimos. Trata-se do sistema de reserva fracionária que permite aos bancos fazerem empréstimos ou investimentos em quantidade superior ao valor dos depósitos sob sua guarda, desde que mantenham como reserva, uma determinada fração desses depósitos. Baseia-se na crença de que os depositantes não sacarão o seu dinheiro ao mesmo tempo. Se o fizessem, os bancos não teriam como atender a demanda, ou seja, quebrariam. No limite, esse processo tende a gerar aumentos na oferta monetária, dando origem a atividades não-produtivas, por vezes denominadas “bolhas”, e conduzindo a um inevitável enfraquecimento econômico. Por sua vez, o quantitative easing é uma política monetária não-convencional que envolve a compra de títulos do governo ou outros valores mobiliários, incrementando a liquidez e fomentando novos empréstimos. Consequentemente, as taxas de juros são reduzidas e aumenta a oferta de dinheiro sem, necessariamente, a impressão de novas notas. Entre 2010 e 2015, período de experimentação da “nova matriz econômica”, a expansão monetária brasileira sofreu um incremento de 83%, com uma inflação, medida pelo IPCA, de 51%, e um crescimento real do PIB de menos de 5%. Ante um aumento na oferta de dinheiro, resultado de um quadro artificial de expansão monetária, os preços tendem a subir, enfraquecendo a economia. Quando as atividades geradoras de riqueza caem acentuadamente, não há riqueza suficiente para sustentar o crescimento econômico e o país cai em uma recessão prolongada. Tal qual Édipo decifrou o enigma da Esfinge, é provável que também seja possível decifrar a causa da reincidência da inflação brasileira durante a vigência da nova matriz econômica.